Uma vida normalíssima

Uma vida normalíssima

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Éramos tão inocentes quando nos apaixonámos. Éramos tão cheios de vida, de vontade de descobrir, de amar incondicionalmente por um mês ou dois. Éramos tão mais desenrascados, despreocupados, dá dá não dá não dá, gosto de ti daqui até à lua. Éramos uns miúdos com sede de descoberta. O que era aquilo que nos prendia tão vigorosamente? O que aconteceu para que não quiséssemos viver um sem o outro? Lembro-me da pirosice das prendas, das flores colhidas na vizinha cusca, do relógio bater as 3h da manhã e tu a ir para casa. De bicicleta. À chuva. Lembro-me de que facilmente estávamos juntos, não havia trabalho que o impedisse. Lembro-me de sermos o casal do momento, da junção improvável, do espanto dos outros que nunca pensaram que eu te escolhesse e tu a mim (na verdade não houve nenhuma escolha, tu e eu só fomos gerados para pertencermos um ao outro e - bem mais tarde - viríamos a descobrir isso). Lembro-me vagamente da separação. Lembro-me dos choros e dos gritos e dos abraços à minha mãe e do "se nunca mais o tenho nunca mais me tenho a mim mesma". Lembro-me da universidade e de como tudo parecia estático quando te via. Lembro-me dos teus olhares e de sentir que, tal como eu, questionavas tudo o que se tinha passado, o porquê separados, por que não juntos?. Lembro-me do dia em que te vi com ela, lembro-me de não ter chorado, de ter aceitado de que a vida era assim mesmo e que you don't always get what you want. Lembro-me de que, a partir desse momento, nunca mais tentei abordar-te. Lembro-me tão bem de que nunca, nunca a agarraste à minha frente e de como te afastavas dela quando me vias. Lembro-me de sorrir, apesar de saber que à noite era com ela que estavas. Lembro-me de sentir-me a apaixonar por outra pessoa, lembro-me de como achei tão fácil gostar doutra pessoa. Lembro-me de não levar muito a sério, lembro-me de decorar os teus lábios e descortiná-los nos dele. Lembro-me dos telefonemas à AL a dizer que não, nunca na vida iria deixar de te amar. E não deixei. Mas também me lembro de dizer que ia seguir em frente de qualquer maneira. Lembro-me do dia em que soube que já não eras dela. Nunca foste. Lembro-me de sorrir e abraçar a pessoa que me contou. Eu tinha namorado. Lembrei-me disso depois. Lembro-me de voltares à cidade, de me veres com ele, do teu mundo ruir. Lembro-me muito bem de achar que ias passar por tudo o que tinha passado, só que a doer ainda mais, porque eu ia falar contigo cordialmente. Lembro-me de detestares que eu falasse contigo assim, lembro-me de o fazer para me encher o ego. Lembro-me de me aperceber de que o Karma existe mesmo e de ter a certeza que acaba sempre por cima quem passou demasiado tempo por baixo. Lembro-me do início das mensagens, de saber que inevitavelmente íamos sempre acabar juntos no fim. Lembro-me de imediatamente ter acabado o que tinha com ele, por saber que era a ti que pertencia. Lembro-me de arrastar o processo, dos cafés no hotel para ninguém nos ver e dos beijos no canto da boca. Lembro-me do 23 de Abril. O 23 sempre foi o meu número da sorte. Lembro-me do segundo 1º beijo, de como demoramos horas e de como choramos no fim. Lembro-me de dizeres que nada valeu a pena, de que as saudades quase te mataram e de que achavas que me tinhas perdido para sempre. Lembro-me de ser tudo tão rápido, de alugar casa, da pressa em sermos um do outro todas as horas do dia, de como tem sido tudo tão perfeito. E agora o que faço eu, entregue a ti de alma inteira? Que é feito do meu eu singular, que até vive sem ti, que até é independente? Perdi-me enquanto unidade, para ser uma só contigo. E todos os dias - sem uma única exceção - agradeço a quem existe do outro lado por te ter conduzido até mim no labirinto em que nos perdemos um do outro. E agora todos os teus dias são meus também. E agora este amor é tão eterno fisicamente, que a certeza de que não nos largaremos nos preenche os desassossegos. E a certeza de que sempre que nos perdermos, podemos reviver este diário uma e outra vez até nos lembrarmos de que eu e tu só nascemos para pertencer um ao outro.

Ever thine.
Ever mine.
Ever ours.

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